Escola da Cibercultura e a avaliação

Pergunta: De certa forma, as escolas tem receio de "mudar" a avaliação pois têm medo da reação da comunidade (os pais e os próprios alunos). Querendo ou não, essa mudança na visão da escola está completamente atrelada à mudança da visão da sociedade. A escola, hoje, ainda é vista como trampolim para o vestibular. Como você vê isso?

 
 

Andrea: "O professor tem receio de mudar a avaliação principalmente porque, numa escola completamente descontextualizada, a nota se torna o único instrumento de controle dos estudantes. Esse tipo de avaliação está com os dias contados, porque não combina com o ser humano que se pretende formar. Concordo com você: a escola está atrelada à visão da sociedade; mas este imaginário social já está mudando. As famílias já sabem que na cibercultura o cidadão pleno precisa saber aprender continuamente, selecionando e utilizando a informação de maneira criativa, para gerar novos conhecimentos; que precisa desenvolver a  capacidade de trabalhar em equipe, e ter criatividade e versatilidade para, no período de alguns anos, reconstruir seu perfil profissional, adaptando-o às novas configurações sócio-técnicas do seu campo. Falta, entretanto, que as universidades redefinam qual é o tipo de aluno que desejam receber: alguém que se sai bem nos exames tradicionais, ou alguém que se destaca na sondagem de novos valores, competências e habilidades que podem ser cognitivas, sociais, afetivas, estéticas, políticas."

Pergunta: Já existe um caminho para efetuar as mudanças na avaliação? Se existe, qual é? Por onde começar?

 
 

Andrea: "A entrada das tecnologias na sala de aula é um dos caminhos para a mudança. Não quero defender um poder messiânico da informática: falo de uma incorporação crítica e humanizadora. Mas é visível que a presença do computador na escola traz provocações às práticas tradicionais, por exemplo, relativizando o papel da memória, abolindo o pensamento linear, substituindo a página seqüencial pelo hipertexto, animando uma transgressão das fronteiras curriculares a partir das conexões entre os saberes. Nesse sentido, o caminho está aberto e é irreversível. O modelo empresarial do just in time (produzir o necessário, com pouco estoque), já tem sua correlação no just in time learning – não é necessário acumular informação, mas sim saber consegui-la e assimilá-la quando necessário. Teremos, então, que avaliar o sucesso do trabalho educativo a partir de verificações da capacidade dos alunos de realizarem processos abrangentes, segundo critérios como consistência, previsibilidade, motivação, envolvimento, performance, capacidade de articular conhecimentos, de comunicar-se e estabelecer relações. Se na cibercultura a matéria-prima é a informação, a avaliação escolar terá que nos dar um feedback sobre nossa capacidade de estar formando pessoas capazes de aprender sempre, seres conscientes e críticos, com habilidade e senso de respeito para dialogar com as diferentes culturas e os diversos saberes, que saibam trabalhar de forma cooperativa e que sejam flexíveis e empreendedores para administrar a carreira e a vida pessoal, social e política. "

Pergunta: A avaliação de hoje é "pressão e controle"; de que maneira ela deve ser feita para que os alunos deixem de encará-la dessa forma e possam atuar com mais autonomia?

 
 

Andrea: "Em primeiro lugar, tornando a sala de aula o espaço de todas as vozes e todas as falas. Tenho estudado o conceito de polifonia de Mikhail Bakhtin, um teórico russo que ajuda a problematizar a sala de aula monológica. Se o professor considera que ele é o único capaz de atribuir notas aos desempenhos dos estudantes, a visão de mundo que ele está transmitindo é: “o que você pensa sobre você mesmo e sobre o seu estudo não me interessa: eu tenho o poder, eu te avalio”; ou “o que você fez durante o processo de nada vale: interessa-me a nota final, o produto”. Isso é o que ensinamos quando avaliamos exclusivamente a partir do nosso olhar, ou medindo apenas o resultado objetivo de trabalhos e provas. A boa notícia é que nossos alunos já não aceitam isso, pois conhecem uma cultura polifônica fora da escola: a Internet, com seu mundo de culturas, de vozes, de sites e de personagens interroga a sala de aula, dizendo-lhe que a forma de educar hoje, mais do que nunca, é através de um diálogo no qual todos os envolvidos possam se assumir como protagonistas. É claro que isso não é fácil: no diálogo aparecem, inevitavelmente, todos os conflitos das diferentes instâncias de poder e os respectivos interesses e desejos. Mas aí está a riqueza do processo educativo: até isso é material para nossas discussões, reflexões e aprendizagens em comum."

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