A 8 domingo, 11 de fevereiro BRASIL FOLHA DE SÃO PAULO

RIO SÃO FRANCISCO Mais de dois terço de transposição vão ficar para o sucessor no Planalto; obra foi promessa em 94 e 98

FHC vai deixar obra bilionária inacabada

THOMAS TRAUMANN___________________

DA REPORTAGEM LOCAL

O presidente Fernando Henrique Cardoso irá deixar para o seu sucessor a tarefa de construir e pagar mais de dois terços das obras de transposição das águas do rio São Francisco.

O preço da construção, prevista para começar no sertão de Pernambuco no semestre deste ano e durar pelo menos até 2005, é de R$3 bilhões.

A obra foi uma das promessas das campanhas eleitorais de FHC em 94 e 98, mas só neste ano entrou no Orçamento. Além disso, está desde setembro parada no Ibama aguardando autorização ambiental.

A obra é uma espécie de braço artificial que levará, por canais de irrigação, as águas do São Francisco na divisa entre Pernambuco e Bahia para os rios, represas e açudes de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

Cronograma preparado pelo Ministério da Integração Regional mostra que, numa hipótese otimista, FHC vai conseguir inaugurar apenas um dos seis trechos da obra. A hipótese só se concretizará se as obras começarem até outubro deste ano e, principalmente, se no ano que vem o governo liberar quase R$ 1 bilhão.

A parte mais intrincada – cinco trechos que fazem ligação de canais até o Ceará e o Rio Grande do Norte – ficará para o próximo presidente. Está orçada em R$ 2 bilhões.

Promessa

Em agosto de 1994, o então candidato FHC disse que a obra era "necessária". Em agosto de 1998, quando tentava a reeleição, FHC prometeu que as obras de transposição começariam em 1999. "Vamos fazê-la (a transposição) com certeza de que não vamos prejudicar nem Pernambuco nem a Bahia" disse.

Para concluir um único eixo até o fim de 2002, o governo terá que multiplicar por cinco os gastos. O Orçamento deste ano ano prevê que o governo pode gastar R$ 200 milhões na transposição. Para concluir o trecho Itaparica – Monteiro e iniciar a construção do resto dos canais, seria preciso, segundo o Ministério da Integração Regional, ao menos outros R$ 800 milhões no Orçamento.

O dinheiro disponível para este ano é suficiente apenas para cumprir as exigências de órgãos ambientais, iniciar desapropriações de terras e abrir os primeiros buracos. "O importante é a obra sair do papel. Porque quando começar a construir, não pára mais", disse o secretário de Infra-Estrutura Hídrico do Ministério de Infra-Estrutura, Rômulo Macedo.

A transposição do rio São Francisco não é unanimidade no governo. É defendida por políticos ligados aos Estados beneficiados – o vice-presidente Marco Maciel (PE), o governador Tasso Jereissati (CE) e o ministro da Integração, Fernando Bezerra (RN).

Seu mais ferrenho opositor é o senador Antonio Carlos Magalhães, que considera que a Bahia será prejudicada. Ao lado de ACM estão quase todos os políticos baianos, os partidos da oposição, a CNBB e organizações ambientais.

Os defensores afirmam que a interligação dos rios irá evitar um colapso no sistema de abastecimento de água no Nordeste.

Para os opositores, depois das captações para a geração de energia, a vazão do São Francisco cairá para um quarto do volume atual – inviabilizando a irrigação e afetando o abastecimento em Pernambuco e na Bahia.

PROJETO QUER ELEVAR ÁGUA A 340 METROS.

DA REPORTAGEM LOCAL________

O projeto de transposição de transposição do São Francisco tem uma engenharia complexa. Nos 220 quilômetros entre o reservatório de Itaparica, no sertão pernambucano, e o rio Mulungu, em Monteiro (PB), o único que pode ainda ser inaugurado no mandato de FHC, as águas serão bombeadas para superar uma altura de 340 m.

Ao final do projeto, as águas serão conduzidas por uma sucessão de 591 Km de canais, dois aquedutos de 20 Km, 12 túneis com 22 Km e 25 reservatórios. A maior parte desse percurso é formada por rios que ficam secos durante o período de estiagem.

No eixo Norte, que inclui os cinco trechos interligando o São Francisco ao Ceará e ao Rio Grande do Norte, a captação começa em Cabrobó (PE), a 315 m acima do nível do mar. Bombeadas por estações elevatórias, chegam a Jati (CE) a 475 m acima do nível do mar, o que representa uma subida de 160 m. A partir daí, por gravidade, despejam no rio Jaguaribe (CE), considerado um dos mais secos do planeta.

Para mover a água, serão necessárias pelo menos seis bombas das estações elevatórias, com 35 mil cavalos de potência cada uma. Isso equivale a 70 motores de carretas, cada uma com 500 cavalos de potência. São necessárias pelo menos 18 bombas – as outras 12 são de menor potência. Cada bomba de alta potência custa em torno de R$ 10 milhões.

Nas desapropriações das terras próximas dos canais, o governo espera gastar R$ 120 milhões. Na correção do plano à legislação ambiental, outros R$ 45 milhões.

Em equipamentos pesados, serão cerca de R$ 1 bilhão. (TT)

 

PEDIDO DE LICENÇA ESTÁ PARADO NO IBAMA

DA REPORTAGEM LOCAL___________

O pedido de licença ambiental do projeto de transposição do rio São Francisco está parado na sede do IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) desde 26 de setembro. Sem a autorização, as obras não podem começar.

Os técnicos do IBAMA têm prazo de um ano para decidir se concedem a licença. A assessoria do IBAMA informou que o pedido está sendo analisado e que a resposta será dada dentro do prazo.

O IBAMA tem o poder para exigir mudanças no projeto ou não autorizar a obra.

O ministro da Integração Regional, Fernando Bezerra, foi a FHC reclamar da demora com que o IBAMA vinha tratando a questão.

O relatório de impacto ambiental entregue pelo Ministério da Integração Regional tem 13 volumes – sete deles de mapas detalhados sobre o traçado dos canais. Segundo o IBAMA, o relatório está em fase de checagem de dados.

Depois dessa fase, o IBAMA deve realizar dezenas de audiências públicas nas cidades afetadas pela transposição para receber queixas e reclamações da população e de organizações não-governamentais. É um trabalho que demora pelo menos quatro meses.

Ainda não foi marcada nenhuma dessas audiências.

O relatório de impacto ambiental preparado pelo consórcio Jaakko Poyry-Tahal defende a realização da obra.

O estudo diz que a obra irá atenuar a falta de água em anos de seca para 440 mil pessoas e evitar um colapso no abastecimento de água no Nordeste até 2005. O relatório reconhece que haverá impactos negativos. (TT)

 

Veja quais as principais conseqüências do projeto de transposição do rio São Francisco, segundo o relatório de impacto ambiental preparado pelo consórcio Jaakko Poyry-Tahal para o Ministério da Integração Regional.

Impactos positivos

Acesso à água

Em 2005 os rios transpostos vão evitar um colapso no sistema de abastecimento no Nordeste. Estima-se que abastecerá uma população adicional de 4,5 milhões.

Diminuição dos problemas de saúde

Com o aumento da oferta de água, o relatório prevê a diminuição das 14 mil internações hospitalares que ocorrem por ano na região por problemas de contaminação ou falta de água.

Geração de empregos

As obras de engenharia irão abrir 5000 postos na região. Ao final do projeto 140 mil hectares de terras improdutivas terão acesso à água. Esta mudança pode gerar 184 mil empregos na zona rural.

Impactos negativos

Realocação de população

Cerca de 35000 pessoas serão despejadas de terras.

Perda de vegetação e da diversidade de peixes.

O desmatamento irá reduzir a vegetação de caatinga. Com a interligação, espécies de peixes do rio São Francisco irão ocupar outras bacias.

Perda de energia

A mudança na vazão das águas irá acarretar perdas na geração de energia de R$ 75,6 milhões por ano. Em um ano de seca extrema, a queda na produção de energia da Chesf pode chegar a 10% entre os reservatórios de Itaparica e Xingó.

 

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